Máquina Eletrostática de Ramsden

Adaptado do original: http://www.faiscas.com.br


Após uma revisão teórica, o texto a seguir descreve os passos num processo de construção de uma máquina eletrostática com bases no modelo de Jesse Ramsden.

O texto a seguir versa sobre a implementação de uma máquina eletrostática do tipo por fricção,na tentativa de reproduzir o modelo mais popular em uso por volta do século XVIII nos laboratórios de ciências.

A máquina de Ramsden, diferentemente das máquinas de indução eletrostática (também chamadas de máquinas de influência eletrostática), funciona primariamente pelo atrito, ou seja, gera potencial elétrico a partir do contato físico dentre um disco isolante e almofadas de material que, para as impedâncias envolvidas, são condutores. É importante observar que o processo de transferência de cargas do disco para os terminais ocorre por indução eletrostática, apesar de isto não ser bem entendido na época. Ela foi popularizada em duas diferentes versões: a francesa (esta foi a que implementei) e a versão inglesa, aonde o terminal para armazenamento de cargas é único. Foi inventada em 1766 pelo mecânico britânico Jesse Ramsden* e é , na verdade, o resultado da evolução da máquina de globo de Otto Von Guerick e da máquina de cilindro de Nairne. 

* Jesse Ramsden nasceu em  06/10/1735 e morreu em 05/11/1800 em  Salterhebble, Nr Halifax, Yorkshire, Inglaterra e foi eleito membro da Royal Society em 01/01/1798. Como profissão era matemático,  estudioso de ótica e construtor de instrumentos. (crédito da foto: http://www-groups.dcs.st-and.ac.uk/~history/PictDisplay/Ramsden.html)

A principal característica da máquina de Ramsden é ser dotada de um disco vertical (nas máquinas eletrostáticas anteriores usava-se cilindros como as de Nairne ou globo, como a de Otto Von Guerick, para a acumulação de cargas) e grandes terminais de carga que servem de armazenadores de energia (eles formam um capacitor com o solo). Estas máquinas não dispunham de capacitores (“jarras de leyde” ou “leyden”) pois as mesmas não haviam sido inventadas. Desta forma, com o objetivo de acumular grandes cargas, máquinas enormes foram construídas.

Ilustração em um antigo livro de física mostra uma máquina de Ramsden usada para carregar uma garrafa de leyden.

 

Fotografias de máquina de Ramsden versão francesa originais, encontradas em museus.

Máquinas de Ramsden estilo inglês, com um único terminal

As máquinas de (atrito ou fricção) são mais antigas que as máquinas de indução (ou influência), e esta, de Ramsden, parece ser a mais popular delas e por isto resolvi construir uma. Originalmente estas máquinas usam um disco de vidro, que substituí por acrílico, pois o vidro condensa umidade e apresenta como consequência dificuldade para eletrizar-se.

Houveram algumas variantes das máquinas de atrito, tais como as de Carl Winter*, Van Marum**, ou a máquina do Dr, Artuis***, dentre outras.

 

(à esquerda- máquina de Winter, com seus coletores de carga de madeira em forma circular; à direita máquina de Van Marum,). (*, **, *** – Recomendo o livro “De lélectricité statique et de son enploi en thérapeutique”, de Dr. Paul Vigouroux, Paris, 1882 para mais informações sobre estas máquinas).

 

Construção da minha máquina

A razão que me levou a decidir construir uma máquina destas é muito mais estética do que funcional; sabia que a quantidade de eletricidade que ela iria gerar seria menor que em uma máquina de indução de mesmas dimensões, mas mesmo assim achei interessante ver como se comportaria. Tive a oportunidade de ver uma máquina destas em um museu; a que vi é muito maior que a que construí. 

Iniciei meu projeto desenhando o suporte do disco, que fiz de madeira colada e parafusada, para garantir a rigidez necessária em função do disco de acrílico amarelo com 30 cm de diâmetro que preparei por parecer com os de vidro usados em algumas destas máquinas. Em geral estas máquinas antigas tem arabescos e detalhes com objetivos unicamente estéticos; trabalhados em madeira, torneados rebuscados são uma constante. Tentei desenhar um suporte que  seguisse estas premissas. Depois de pronto, o suporte foi envernizado para um bom acabamento. As fotos seguintes mostram as etapas da construção.

Suportes recortados e disco de acrílico. Procurei fazer os suportes com algumas voltinhas como eram as máquinas feitas na época,
simplesmente por razões estéticas.As partes de cima e de baixo do suporte foram coladas com cola para madeira e parafusadas.

O suporte do disco foi envernizado. Usei 4 demãos de verniz até obter um brilho uniforme na madeira, e entre uma demão e outra lixei com lixa bem fina para obter uma superfície bem lisa. O mesmo foi feito com uma tábua retangular que serviu de base para a máquina.

O conjunto disco / suporte / manivela foi fixado sobre uma base de madeira previamente envernizada. Tratei então de tornear duas buchas cônicas de teflon que servem para a fixação do disco no eixo da manivela. Estas buchas foram fixadas ao disco por meio de dois parafusos.

 
A fixação do disco nas calotas de teflon é feita com parafusos M4 com cabeça allen.

A máquina já com os discos e a manivela fixados no quadro de madeira. Almofadas revestidas em couro.

Preparei um par de almofadas para promover o atrito com o disco de acrílico sem arranha-lo. Usei pedaços de couro (comprados como retalhos em uma sapataria) recortados em formato retangular e pedaços de espuma (de lavar louça, destas que tem um lado verde abrasivo) e retângulos de madeira. Estas escovas foram fixadas na madeira dos suportes pelo lado de dentro usando percevejos de latão.Usei o lado liso do couro para o contato com o disco de acrílico pois isto diminui o esforço necessário para girar a manivela da máquina. As almofadas assim construídas são mantidas no lugar através de parafusos que atravessam molas helicoidais de aço que se encarregam de pressionar o couro contra o disco. Ajustando o aperto dos parafusos ajusta-se a pressão da mola. 

A etapa seguinte da construção consistiu em preparar os coletores de carga, cortados em latão com uma tesoura especial (usada em artesanato de tecidos), que permite obter um zig-zag perfeito. Esta peça de latão foi então encaixada em uma pequena esfera de madeira que adquirida em uma loja que vende material para cortinas, e que foi cortada até seu centro (raio) em minha serra fita, de forma a permitir o coletor de metal e dar um bom acabamento. A esfera foi então furada (2 mm)  e fixada a um terminal de cortina dourado previamente furado através de um pequeno parafuso para madeira. Na outra ponta do coletor de carga fixei outra esfera. O uso destas esferas, ademais da boa aparência, permite reduzir as perdas causadas por efeito corona nas extremidades dos coletores de carga. O cilindro (cano) dourado para armazenamento das cargas é feito de cano de cortina de alumínio, dourado por fora.

 


Vista do coletor de carga em detalhe. As esferas de madeira foram cortadas até o centro de forma a encaixarem no terminal de latão, e tiveram seu centro furado. O terminal de latão foi dobrado sobre uma barra de metal cilíndrica, cujo diâmetro é o mesmo do furo nas bolas de madeira.

 

 Suportes de latão torneados em uma barra de 13 mm servem de pés para a estrutura. Foram feitos furos de 10 mm em seu interior, e nele se encaixa uma barra de acrílico de 10 mm de diâmetro. Tentei usar vidro no lugar do acrílico, mas a isolação não é tão boa. Os pés de latão são fixados com parafusos com rosca M4 (a parte inferior deles recebe esta rosca e são feitos furos que atravessam a tábua que serve de base para a máquina).


 



Pés de fixação montados, e os coletores de carga encaixados na sua parte superior por meio de furos feitos no cano de cortina. o furo foi feito com tal medida que entra bem justo nos tubos de acrílico. Um pouco de cola de silicone mantém tudo no lugar. Entre os tubos dourados foi também fixado ou outro tubo, mais fino, de 10 mm de diâmetro, também dourado, de forma a aumentar a rigidez do conjunto e para interligar os terminais. Esta barra de reforço foi também colada pelo lado de dentro, antes da fixação dos terminais externos (das pontas).


O conjunto foi então montado e uma esfera de metal colocada na ponta livre do eixo de manivela para acabamento e redução de perda por corona.

Desempenho da minha máquina de Ramsden

Como já comentei esta máquina é pequena se comparada às dimensões das máquinas construídas originalmente – o disco das máquinas antigas encontradas em museus costumam ter mais de 70 cm de diâmetro (algumas tem mais de 1 metro). Além disto minha máquina coleta cargas apenas de um lado do disco, e coloquei almofadas apenas na parte de cima do suporte, diferentemente das máquinas originais.

Medi a corrente de saída da máquina, girando a manivela a cerca de 2 revoluções por segundo, tendo obtido entre 2 e 3 microamperes. As faíscas obtidas chegam a 2 centímetros o que permite estimar uma tensão de aproximadamente 15 a 20 kV, bem inferior a máquinas de influência com discos do mesmo tamanho (31 cm). A umidade do ar para este desempenho tem que ser igual ou menor que 50%, de outra forma os terminais de carga se descarregam rapidamente. Apesar do fraco desempenho estou contente com o resultado obtido, pois minha máquina se parece com as máquinas originais, construídas a partir do século XVII e serve para minhas aulas com demonstrações sobre eletrostática. 

 

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