Máquina Eletrostática de Wimshurst
Adaptado do original: Antônio Carlos M. de Queiroz – http://www.coe.ufrj.br/~acmq/electrostatic.html
Máquinas de Wimshurst simples
As máquinas eletrostáticas de influência geram altas tensões através de influência de campos elétricos, sem o uso de atrito para separar cargas. Pode-se dizer que todas elas funcionam como versões automatizadas do eletróforo de Volta (1776), ou do dobrador de Bennet (1787). Em todas elas, em algum momento da operação duas superfícies são aproximadas, estando uma delas carregada eletricamente e a outra aterrada. Isto atrai cargas para a superfície aterrada, de polaridade oposta à carga da superfície indutora. A seguir, o aterramento é removido e as superfícies são afastadas, o que requer energia, e aumenta enormemente o potencial elétrico das superfícies movimentadas. As cargas em alta tensão assim geradas são coletadas nos terminais da máquina por escovas, ou mais usualmente pentes metálicos providos de pontas voltadas para as superfícies carregadas. Nas máquinas de influência, usualmente existe ainda algum mecanismo para usar as cargas geradas para reforçar a carga inicial, e induzir a separação de ainda mais cargas.
Histórico:
A máquina de Wimshurst foi inventada na Inglaterra, por James Wimshurst, e primeiramente descrita em Janeiro de 1883. Na época já eram conhecidas outras máquinas de influência derelativamente alta potência, como as de Toepler, Holtz (1865) e Voss (1880), que eram todas algo problemáticas, principalmente devido às constantes reversões de polaridade a que eram sujeitas e à alta isolação elétrica requerida para operação eficiente. O elegante projeto da máquina de Wimshurst resolve estes dois problemas, por evitar o uso de superfícies indutoras fixas e por apresentar altas tensões apenas nas vizinhanças dos coletores de carga. A idéia, entretanto, teve curta utilidade prática. Na época a atenção da pesquisa sobre eletricidade estava voltada para aplicações práticas como iluminação elétrica, motores elétricos, telefonia e telegrafia, com muito da pesquisa básica, que se iniciou pela eletrostática, e utilizou extensivamente máquinas de atrito, já realizada. Houve uma retomada no interêsse por aplicações práticas para estas máquinas após a descoberta dos raios X em 1895, como fontes de alta tensão para acionar os tubos de Crookes, mas com o advento de eletrificação generalizada, logo fontes de energia mais confiáveis foram desenvolvidas, e as máquinas eletrostáticas de discos passaram a ser apenas dispositivos de demonstração. Atualmente, geradores eletrostáticos mecânicos são usados apenas em aceleradores de partículas, mas na forma mais conveniente para as altas tensões necessárias, do gerador de Van de Graaff (1931) e seus derivados.
Construção:
A máquina consiste em dois discos de material isolante, precisamente cortados e balanceados, originalmente de vidro envernizado ou ebonite, atualmente sendo mais conveniente usar acrílico ou outro plástico rígido, que giram em sentidos opostos sobre um mesmo eixo horizontal mantendo pequeno afastamento. Os discos são montados, colados ou aparafusados, sobre dois mancais, de madeira, metal ou outro material rígido, que giram livremente sobre um eixo fixo. Mancais de madeira devem possuir um tubo central de latão ou bronze, que gira bem lubrificado sobre o eixo de aço. Melhores resultados são obtidos com mancais suportados por pares de rolamentos de esfera. O eixo fica encaixado, fixado por porcas em suas extremidades, em dois suportes verticais, que são usualmente de madeira ou de ferro, firmemente fixados à base da máquina, que é usualmente de madeira. Nos mancais existem duas pequenas polias, que são acionadas pelas polias maiores R-R’, montadas sobre outro eixo abaixo dos discos, apoiado em mancais montados nos suportes verticais, e acionadas por uma manivela K. Os cordões que conectam as polias podem ser de couro, borracha, etc. Um dos cordões é montado cruzado, para que os discos girem em sentidos opostos. Colados às faces exteriores dos discos, há séries de setores metálicos a, formando um padrão simétrico. Estes setores possuem bordas arredondadas para minimizar perdas de carga, e são mais largos nas bordas que no interior, de modo a manterem distâncias constantes entre suas bordas laterais. Podem ser construídos com folhas de alumínio não muito finas, ou de outros metais, como estanho, que era usado originalmente, ou latão, e devem ser firmemente colados aos discos, com uma cola de contato, por exemplo. Podem possuir ressaltos para evitar que as escovas dos neutralizadores (ver a seguir) toquem os discos. Duas barras metálicas neutralizadoras F são dispostas uma em frente a cada disco, cruzadas uma em relação à outra, em um ângulo de 60 graus, aproximadamente, com a horizontal. Estas barras são usualmente fixadas em anéis metálicos montados no mesmo eixo dos discos, e devem poder ser ajustadas em diversos ângulos de inclinação, sendo fixadas no lugar pela pressão de parafusos nos anéis. Nas pontas das barras neutralizadoras, são montadas escovas de finos fios metálicos, que tocam levemente os setores metálicos nos discos. Boas escovas podem ser construídas com finos fios de níquel-cromo, como os usados em resistores de fio. Textos antigos recomendam fios de prata ou lâminas feitas de folhas finas de bronze. Também podem ser usadas escovas feitas com tiras de borracha condutiva ou fibras de carbono, o que é mais resistente a quebras, mas pode causar dificuldades de excitação. Uma forma simples de fazer estas escovas é inserir alguns fios em furos, um em cada extremidade das barras neutralizadoras, fixando-os no lugar com um palito de madeira e um pouco de cola, ou por um parafuso. Os coletores de carga são duas peças metálicas em formato de U, m-m’, n-n’, que circundam os discos nas laterais da máquina. Estas peças possuem séries de pontas voltadas na direção dos discos, que terminam a uma pequena distância destes, sem nunca tocá-los (o toque acidental destas pontas nos discos é a causa mais comum de destruição destas máquinas). Uma boa idéia é usar pontas de material macio, como folha de alumínio denteada, como proteção contra toques acidentais. Simples lâminas retas de folha metálica fina também podem ser usadas. Os coletores são suportados por longos suportes isolantes S-S’, que podem ser de vidro, acrílico, ou outro bom isolante (nunca usar madeira ou similares, que não isolam o suficiente), fixados na base da máquina. No mesmo suporte, são fixados os terminais do faiscador A-B, que deve poder girar, movimentado pelos longos cabos isolantes H. O faiscador termina em bolas metálicas, que podem possuir bolas menores montadas sobre elas. Estas bolas menores permitem a geração de faíscas maiores que o normal, se uma bola menor estiver no pólo positivo, com os terminais inclinados na direção do pólo negativo. É conveniente que seja possível ajustar a posição dos coletores de carga, deslizando os condutores que os conectam ao faiscador dentro das bolas que formam o tôpo dos suportes isolantes, com um parafuso para fixação. A rotação do faiscador é usualmente conseguida pelo uso de pinos fendidos fixos nas bolas onde se conectam os cabos H, que entram nos condutores que vão aos coletores de carga, que são tubos ôcos. As estruturas dos coletores de carga e terminais são classicamente construídas com tubos ou varetas de latão, e bolas também de latão. Outros materiais podem também ser usados, como tubos de alumínio, e as bolas, exceto as dos terminais, podem ser de madeira, com conexões internas reforçadas eletricamente por molas. Em toda a montagem dos terminais, não devem existir pontas, exceto as dos coletores de carga, ou ângulos agudos, sendo todas as superfícies arredondadas e polidas, para evitar perdas de carga para o ar. Para a obtenção de faíscas fortes, dois capacitores tipo garrafa de Leyden, L-L’ são conectados aos terminais, através de pontes removíveis. As garrafas de Leyden são longos tubos isolantes fechados na parte inferior, como tubos de ensaio ou copos altos de vidro envernizado ou acrílico, possuindo folhas de metal coladas nas faces interior e exterior, na parte inferior. As folhas interiores se conectam através de varetas de metal que cruzam as tampas das garrafas às pontes removíveis vistas na figura. As folhas externas se conectam aos suportes das garrafas, e através de fios a uma chave, visível sob a frente da base na figura, que as interconecta. Com a chave fechada, os dois capacitores estão ligados em série. Com a chave aberta, a alta resistência elétrica da base de madeira fica no meio do circuito, o que produz curiosas faíscas enfraquecidas. É comum também usar garrafas de Leyden penduradas nos terminais.
Operação:
A manivela deve ser girada de forma que os discos passem pelos coletores de carga, e a seguir pelas escovas neutralizadoras adjacentes (sentido horário na figura). Quando um setor metálico passa por uma escova, ele é influenciado pelo disco oposto, e cargas opostas às do disco oposto são atraídas para ele. Como são vários setores influenciando um só, e também existe o efeito dos setores em alto potencial nas laterais da máquina, o setor aterrado pela escova recebe mais carga do que havia nos setores do disco oposto. Estes setores carregados vão a seguir servir de fontes de influência para os setores do outro disco, realimentando positivamente o efeito. As cargas geradas crescem exponencialmente, até que perdas por faiscamento, controladas pelas dimensões dos discos, limitam a tensão máxima que pode ser atingida. O maior comprimento de faísca que pode ser obtido é dado aproximadamente pela soma das distâncias entre setores metálicos adjacentes ao longo de 1/3 de um disco. Isto ocorre porquê a partir de certa distância o faiscamento ocorre entre os setores, passando pelas barras neutralizadoras. Esta distância usualmente corresponde a 1/3 a 1/4 do diâmetro dos discos. As áreas entre as escovas neutralizadoras nas áreas superior e inferior dos discos são onde as cargas são geradas. Nestas áreas a tensão entre os discos é pequena, o que serve para minimizar perdas por faiscamento para a estrutura da máquina, permitindo uma construção compacta. As faces interiores dos discos permanecem neutras, pois a reversão de polaridade nas faces exteriores duas vezes a cada volta dos discos não permite que cargas parasitas se acumulem aí. A acumulação de cargas parasitas no lado oposto de placas carregadas é um problema com todas as máquinas eletrostáticas anteriores à de Wimshurst, com apenas um disco rotativo, causando reversões periódicas de polaridade, inexistentes na máquina de Wimshurst. Notável exceção é a máquina de Holtz de segundo tipo (1867), que é considerada uma ancestral direta da máquina de Wimshurst, o que causou alguma polêmica na época, com Holtz mostrando ter inventado essencialmente a mesma estrutura de Wimshurst nos 1860s. Alguns textos da época chamam a máquina de Wimshurst como máquina de Wimshurst-Holtz.
As máquinas eletrostáticas são sempre sensíveis à humidade do ar, tendo seu rendimento reduzido ou mesmo deixando de funcionar em condições de alta humidade. A máquina de Wimshurst é uma das menos sensíveis, mas níveis de humidade acima de 80% podem prejudicar, embora dificilmente impedir, seu funcionamento. Por isto, é melhor operar estas máquinas em ambiente com ar condicionado, e sem muitas pessoas por perto da máquina. Algum aquecimento com o uso de um secador de cabelos ou exposição ao Sol pode ajudar a secar a máquina antes da operação, mas se o ar estiver muito húmido o efeito dura pouco. Perfeita limpeza dos discos e dos isoladores é também importante para bom desempenho. Máquinas eletrostáticas tem forte tendência de atrair poeira do ar, que deve ser removida das superfícies periodicamente. Para a auto-excitação funcionar, com a máquina multiplicando rapidamente pequenos desbalanços de cargas inicialmente existentes, ou gerados por atrito ou potencial de contato pelas escovas, é necessário bom contato elétrico dos setores metálicos nos discos com as escovas neutralizadoras. Estas devem sempre ser mantidas em bom estado.
Uma máquina de Wimshurst com discos de 30 cm pode produzir por volta de 100 kV de tensão, e uma corrente da ordem de 20 uA. A corrente é proporcional à velocidade de rotação e à área dos discos ocupada pelos setores, sendo portanto proporcional ao quadrado do diâmetro dos discos para mesma velocidade angular de rotação. A potência mecânica requerida é proporcional à potência elétrica gerada, sendo portanto proporcional ao cubo do diâmetro dos discos e à velocidade de rotação. O rendimento na conversão de energia é bastante incerto, devido às muitas perdas, mas pode chegar a ser da ordem de 25%.
Uma importante variação da máquina de Wimshurst é a máquina de Bonetti (1894), que, com a mesma estrutura básica, usa discos limpos, sem setores, e escovas múltiplas nos neutralizadores, ou pentes com pontas. Com isto obtém-se uma maior eficiência, com toda a área ativa dos discos usada para transporte de carga. Esta máquina pode facilmente produzir faíscas com comprimento de mais de metade do diâmetro dos discos, e uma corrente um pouco maior. A auto-exitação, entretanto, é perdida, sendo necessário excitar a máquina a partir de uma fonte externa de alta tensão, como uma outra máquina eletrostática. A figura mostra uma máquina de Voss com um dos terminais posicionado oposto a um dos neutralizadores da máquina de Bonetti. Isto atrai cargas do neutralizador para a superfície do disco de trás, e inicia o processo de partida da máquina. Um simples bastão carregado pode servir, em condições de baixa humidade.
Há outras variações, também aplicáveis à máquina de Bonetti, envolvendo os coletores de carga. É possível coletar cargas de apenas um dos discos, com praticamente o mesmo rendimento, pois quando uma área de um disco se descarrega para um coletor de carga, ocorre uma redução de tensão na área correspondente do disco oposto, por efeito capacitivo, o que praticamente dobra a corrente de descarga. A idéia foi usada em uma máquina sem setores descrita por Holtz e Poggendorff em 1869.
Outra modificação é o sistema de Schaffers (1885), que desloca as posições dos coletores de carga, desviando para eles parte das correntes que iriam para os neutralizadores. Resulta uma versão da máquina de Holtz do segundo tipo, capaz de gerar até o dôbro da corrente. A idéia, entretanto, reduz a máxima tensão que pode ser gerada, por aproximar os coletores de carga dos neutralizadores.
O programa WMD pode ser usado para avaliar o projeto de uma máquina de Wimshurst, prevendo o comprimento das faíscas geradas e a máxima corrente de saída, e calculando o formato ideal para os setores.
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