Original: Prof. Rafael Barreto – (O que todo calouro deveria saber antes de ingressar na UTFPR) – http://hpc.ct.utfpr.edu.br/node/35
O primeiro passo para melhorar o mundo, é melhorar a si mesmo.
Todas as pessoas que ingressam na universidade possuem o potencial para alcançar a excelência e transformar a sociedade.
Essas pessoas são capazes de aprender, de desenvolver habilidades, e de se tornar profissionais competentes.
Entretanto, ter o potencial não basta.
Nenhum potencial se materializa sem orientação, disciplina e esforço.
É necessário anos de treinamento e dedicação para se tornar mestre em um ofício.
Infelizmente, alguns precisam de mais tempo, mais orientação, mais apoio, mais cobrança e mais esforço que outros.
E isso é especialmente evidente em um país de desigualdades e demagogia como o Brasil.
Há dez anos, era muito difícil ingressar em uma universidade como a UTFPR.
Havia um número maior de candidatos por vaga, e o sistema de ingresso era rigoroso pois cobria um espectro muito amplo e complexo de conteúdos.
Muitos alunos precisavam fazer anos de cursinho para ter as condições mínimas de disputar uma vaga no curso de seus sonhos.
Por conta disso, o acesso à universidade era definitivamente elitizado.
A partir de 2007, houve a expansão do número de vagas (graças ao Reuni).
E de lá para cá, a oferta de vagas no ensino superior aumentou duas vezes e meia.
Somado a isso, em 2010, a UTFPR foi a primeira universidade do país a aderir completamente ao Sisu/Enem como único sistema de ingresso.
Esses foram dois fatores que efetivamente proporcionaram uma democratição de acesso ao ensino superior.
Reconhecendo que existe um problema (“Vamos deixar a demagogia de lado”)
Infelizmente, nem tudo são flores.
O Enem foi idealizado para avaliar o ensino médio, e não para selecionar para o ensino superior.
Ele é um exame extenso e dedicado a avaliar “habilidades”, mas por conta disso é cansativo, cobra poucos conteúdos e de maneira superficial.
Em conjunto com o uso equivocado da “teoria de resposta ao item”, um aluno despreparado para o ensino superior é capaz de obter uma nota competitiva.
Já o Sisu tem por objetivo proporcionar acesso, mobilidade e aproveitamento de vagas.
Mas a consequência disso é que uma quantidade grande de alunos parou de se preparar para disputar uma vaga no “curso dos sonhos”, e passou a buscar uma vaga em um curso onde “a nota do Enem encaixa”.
Em conjunto com o aumento da oferta de vagas, isso propiciou que uma grande quantidade de alunos despreparados passasse a ingressar no ensino superior.
Alguns argumentam que os “bons alunos continuam ingressando”, e portanto nada deveria mudar.
Mas se parte significativa da turma é composta de alunos despreparados, o professor ou mantém o nível e espera que os despreparados “corram por fora”, produzindo altas taxas de reprovação; ou abaixa o nível, e subdesenvolve os preparados, deixando eles menos preparados para a fase seguinte. Não tem almoço de graça.
Se não bastasse a evidência anedótica por parte de dezenas de professores sobre essa situação, isso é comprovado por uma série de índices.
O primeiro deles são as taxas de reprovação e desistência em todos os cursos e todas as disciplinas.
Em especial, as taxas de aprovação nas disciplinas de Geometria Analítica e Álgebra Linear (GAAL), Cálculo 1 e Física 1 caíram de 80% para 50% nos últimos 15 anos.
Sendo que atualmente a aprovação é de aproximadamente 66% para os ingressantes no primeiro semestre do ano (entrada /1), e 34% no segundo semestre (entrada /2).



Figura 1: Taxa de aprovação nas disciplinas de GAAL, Cálculo 1 e Física 1.
E a taxa de aprovação não diminuiu simplesmente porque os alunos começaram a reprovar mais.
Eles também começaram a desistir mais (nem mesmo ir fazer as provas, reprovando por falta).
O principal fator da desistência é a desmotivação, associada à dificuldade de acompanhar a disciplina, justamente por estarem despreparados.
Atualmente em torno de 30% dos alunos desistem das disciplinas de GAAL, Cálculo 1 e Física 1.



Figura 2: Taxa de desistência nas disciplinas de GAAL, Cálculo 1 e Física 1.
Outra prova da mudança está na taxa de periodização (proporção de alunos que não estão atrasados devido às reprovações).
A taxa de periodização caiu de 50% para 25% no mesmo período.

Figura 3: Proporção de alunos periodizados.


Figura 4: Proporção de alunos periodizados por turma, em 2005 e em 2015.
Mais uma evidência de que o problema é gravíssimo é a análise da distribuição de CR (coeficiente de rendimento, isto é, nota média do aluno ponderada pela carga horária das disciplinas, normalizada de zero a um).
Em torno de 25% dos alunos regulares possuem CR menor que 0.5, e nessa região, historicamente, quase ninguém se forma.
A comparação das duas distribuições (usando correlação estatística) sugere que em torno de 40% dos alunos regulares não irá se formar.

Figura 5: Comparação da distribuição de CR entre formados e regulares (dados de 2017/1).
Esse número é corroborado pela taxa de evasão (número de desistentes dividido pelo número de ingressantes em cada ano).
Essa taxa era 15% até 2008, e agora está beirando 40%.

Figura 6: Proporção de desistentes, pelo número de ingressantes ano a ano.
Para piorar, os alunos que evadem levam em média 3 anos (6 semestres) para tomar essa decisão.
Apenas 20% deles fazem isso no primeiro ano.

Figura 7: Tempo que o evadido leva dentro da instituição antes de desistir.
Apesar de levar em média 3 anos para desistir, apenas 30% dos evadidos alcançam o terceiro período de seus cursos.

Figura 8: Período que o evadido alcança antes de desistir.
Isso significa que milhares de alunos estão gastando anos de suas vidas em um projeto infrutífero, acumulando uma enorme carga de frustração e desperdiçando o dinheiro público.
Cada aluno custa para o estado em torno de R$ 2000,00 por mês!
O ensino superior público não é um direito… mas sim um investimento do estado em você, e é seu dever se capacitar e retornar esse investimento para a sociedade.
Outros possíveis fatores para as altas taxas de reprovação, retenção/desperiodização, e desistência/evasão
Apesar de ser o principal fator, seria ingenuidade acreditar que a “democratização do acesso ao ensino superior” é a única causa para o aumento das taxas de reprovação e evasão na nossa universidade.
1) Redução da proporção de alunos oriundos do curso técnico da própria instituição.
Até os anos 2000, 40% dos ingressantes das engenharias na UTFPR (quando ainda era CEFET-PR) era oriundo do curso técnico.
O curso técnico por si só já era elitizado, pois tinha um número pequeno de vagas (dadas as propoções de Curitiba) e tinha um exame de seleção rigoroso.
O aluno que fazia o curso técnico no CEFET-PR recebia uma base em física e matemática superior àquela ofertada no ensino médio tradicional.
Ao longo de 10 anos, a proporção de alunos oriundos do técnico reduziu 4 vezes.

Figura 9: Proporção de alunos oriundos do técnico.
2) Despreparo dos professores.
Há dezenas de evidências anedóticas de que os professores não estavam preparados para a mudança de perfil do corpo discente.
Ninguém imaginava que aconteceria uma “transição de fase”.
Alguns professores mantiveram suas taxas de aprovação artificialmente, reduzindo conteúdos e a cobrança, prejudicando o trabalho dos professores nas fases seguintes.
Outros mantiveram o alto nível de cobrança de maneira inflexível, o que contribuiu para surgir uma cultura de que “é normal reprovar” entre os alunos.
Turmas inteiras passaram a fugir dos professores mais rigorosos, inclusive indo fazer disciplinas na UFPR.
Entretanto há alguns anos vêm sendo feitas várias ações entre gestão e corpo docente para entender e resolver o problema da reprovação, de tal forma que esse “despreparo” dos professores reduziu significativamente.
3) Despreparo e baixa resiliência é uma característica dessa geração.
O grupo etário de 18 a 24 anos tem a maior incidência de jovens que não estudam nem trabalham, com 27,4%, seguido pelo grupo de 25 a 29 anos, com 24,1%, “de modo que é possível afirmar que não estudar nem trabalhar é uma característica mais marcante entre os jovens que já deveriam ter concluído o ensino médio”.
Geração que não trabalha nem estuda aumenta em 2015
Paul Harvey, um professor da Universidade de New Hampshire, nos Estados Unidos, e expert em GYPSYs, fez uma pesquisa onde conclui que a geração Y tem “expectativas fora da realidade e uma grande resistência em aceitar críticas negativas” e “uma visão inflada sobre si mesmo”. Ele diz que “uma grande fonte de frustrações de pessoas com forte senso de grandeza são as expectativas não alcançadas. Elas geralmente se sentem merecedoras de respeito e recompensa que não estão de acordo com seus níveis de habilidade e esforço, e talvez não obtenham o nível de respeito e recompensa que estão esperando”.
Porque os jovens profissionais da geração Y estão infelizes
“Os empresários não querem canudo. Querem capacidade de dar respostas e de apreender coisas novas. E quando testam isso nos candidatos, rejeitam a maioria”, diz o sociólogo e especialista em relações do trabalho da Faculdade de Economia e Administração da USP, José Pastore. Entre empresários, já são lugar-comum relatos de administradores recém-formados que não sabem escrever um relatório ou fazer um orçamento, arquitetos que não conseguem resolver equações simples ou estagiários que ignoram as regras básicas da linguagem ou têm dificuldades de se adaptar às regras de ambientes corporativos.
‘Geração do diploma’ lota faculdades, mas decepciona empresários
Lute contra essa tendência! Você é capaz! Aja!
4) A questão das cotas.
Apesar do senso comum (carregado um pouco com preconceito) argumentar que as cotas contribuiram para a “deteriorização” do ensino superior, as estatísticas mostram que as taxas de reprovação e desistência são similares entre cotistas e não-cotistas.
Isso reflete um pouco o fato de que uma grande quantidade de cotistas vem de colégios militares, institutos federais, centros federais de ensino e da própria UTFPR.
Dentre os cotistas, em torno de 20% são oriundos do curso técnico da própria UTFPR, e sua taxa de reprovação e desistência não é significativamente diferente às dos outros cotistas.
Tabela 1: Situação da população discente no campus Curitiba em 2017/1.

“Ok… você me convenceu. O que eu preciso fazer para não virar estatística?”
Coloque na sua cabeça que todos são capazes, mas que nem todos estão preparados.
Portanto diga para si mesmo: “Eu sou capaz!”. Mas não deixe de perguntar: “Eu estou preparado?”.
Não é simples responder essa pergunta. Mas há alguns indícios que podem te ajudar:
- Você nunca estudou (o ensino médio foi fácil demais para você… você conseguiu passar por tudo apenas assistindo aulas).
- Você fez o vestibular de uma universidade disputada e ficou bem longe de conseguir uma vaga.
- Você escolheu o curso por eliminação (foi onde a nota do Enem deu para entrar).
- Algumas disciplinas parecem impossíveis de passar.
Não existe gênio nato.
Ninguém nasce sabendo. Inteligência é treinamento. Quanto mais alguém treina, mais inteligente se torna.
Leia isso: Dominate Your Industry: How to Become the Best in Your Field
Aprenda a estudar.
Se conscientize de que “assistir aula” não é “estudar”.
A aula é apenas o primeiro passo do processo de ensino-aprendizagem. Na aula o aluno é passivo. A aula serve para o aluno entender o conteúdo que posteriormente ele vai estudar.
Se você passar o seu tempo na universidade apenas assistindo aulas, você sairá da universidade com uma formação precária.
No mesmo dia que você assistir à aula, você deve estudar o conteúdo daquela aula. Estudar significa escrever, fazer um pequeno resumo, fazer algumas deduções, exemplos, exercícios… estudar significa praticar. E no mesmo dia que você assiste à aula e estuda seu conteúdo, você deve dormir bem para registrar essa informação e conhecimento na memória permanente de seu cérebro.
Quem estuda um pouco por dia, todo dia, aprende de fato. Quem estuda todo dia, de maneira distribuída, várias disciplinas (uma ou duas horas cada uma), aprende para sempre. Não precisa estudar feito um louco em véspera de prova, tentando decorar informações e exercícios apenas para ir bem na prova.
Se você não gastar no mínimo um caderno de 10 matérias (200 folhas) por disciplina no semestre, então você não está estudando.
Assista ao vídeo do professor Pier sobre esse assunto:
Reforce as bases.
Assista aos vídeos e faça as atividades do Khan Academy.
Khan Academy
Conviva com pessoas que tenham o mesmo projeto que você.
A maneira como você pensa é fruto da forma como você age.
Você não fala porque pensa, e sim o contrário. Se você fala errado, você pensa errado.
As pessoas com as quais você convive influenciam sua maneira de agir, e portanto de pensar.
As boas companhias são aquelas que contribuem para sua paz de espírito, que te ajudam no seu projeto.
Portanto, se cerque de pessoas que te ajudam a estudar.
Não dê ouvidos a veteranos cheios de bons conselhos, mas que estão atrasados no curso.
Não existe caminho fácil ou sem esforço.
Infelizmente, nós não lidamos bem com o fracasso. E na atual conjuntura, é comum encontrar nas redes sociais uma multidão de gente frustrada e desorientada responsabilizando deus e o mundo pela sua situação.
Reprovar não é normal!
Quando um veterano vem com o discurso de que “reprovar é normal”, “CR baixo não tem problema”, ele está te dando o “abraço do afogado”… e se você não se precaver, você vai afundar junto com ele.
Não fuja de professor que é difícil ou rigoroso.
Ao mesmo tempo, é sua responsabilidade denunciar os professores que não fazem seu trabalho… mas não seja leviano! É preciso responsabilidade na hora de fazer denúncias!
Se você faz a reclamação em um grupo fechado do facebook, mas não faz a mesma reclamação na ouvidoria ou no ministério público, então talvez sua reclamação seja leviana.
Não dê ouvidos quando disserem que a disciplina X ou Y não é importante.
Todas as disciplinas são relevantes (elas foram colocadas na sua matriz com uma intenção muito específica… leia o projeto do seu curso).
Fuja da procrastinação, dos jogos e do bar.
Você ouvirá frases do tipo: “A universidade pode ser os 5 piores anos da sua vida, ou os 10 melhores”.
Mas e depois?
Quais são os seus projetos? O que você está disposto a fazer para alcançar eles?
Se você não tiver planejamento e disciplina, em um piscar de olhos o tempo vai passar, e será um tempo perdido.
Leia isso: Planejamento-Método-Disciplina
O que você consegue fazer em duas horas? Assistir um filme? Assistir dois ou três episódios de uma série? Jogar uma ou duas partidas do seu jogo preferido? Tomar duas ou três cervejas?
Lembre-se que em duas horas é possível fazer um resumo do capítulo do livro.
E quantos capítulos a disciplina tem? Dez?
Além disso, as redes sociais se tornaram a máquina de alienar do século XXI (substituíram a televisão). O facebook utiliza “algoritmos de cassino” para te segurar na rede. Ele trabalha com seu psicológico, mostrando majoritariamente o que te agrada, reforçando suas crenças e preconceitos, te dando a falsa sensação que você está vendo e compartilhando conteúdo útil. Se você gasta mais do que 5 minutos por dia vendo o que as pessoas postam, então provavelmente você está preso em uma “centopeia humana”. Fuja disso.
Aceite que talvez você precise de mais tempo e de mais preparo.
É duro, mas nem sempre estamos preparados. Às vezes é necessário dar um passo para trás e refazer as bases.
Não se constrói um prédio sem bases robustas. O mesmo vale para a sua profissionalização.
Não se sobrecarregue.
Alunos que reprovam no primeiro período costumam se sobrecarregar no segundo.
E com isso não conseguem estudar direito, e acabam apenas perdendo mais tempo.
Evite a todo custo pegar mais do que 30 horas de aula!!

Figura 10: Número médio de reprovações pela carga horária semanal no segundo período.
Se você pegar 2/3 das disciplinas todo semestre, você vai terminar o curso dentro de um prazo aceitável. Faça as contas!
Um curso tem de 4 a 5 anos e umas 6 disciplinas por período. Se das 6 disciplinas você pega apenas 4, se for aprovado sempre em todas, você vai terminar o curso em 6 ou 7 anos. (Bem antes que aquele seu veterano que aplicou o trote em você!)
É melhor fazer devagar e bem feito do que fazer de maneira atropelada, tropeçando.
Procure ajuda.
Existe muita gente competente na universidade disposta a te ajudar.
Procure orientação.
Fale com o coordenador do seu curso.
Procure o NUAPE.
Converse sobre suas dificuldades com seus professores.
É melhor gastar um ou dois semestres reforçando as bases de maneira planejada, do que desperdiçar dois ou três anos da sua vida tropeçando.
- Todos os dados apresentados e analisados nesse artigo são acessíveis a todos os professores da UTFPR.
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